A estranha história do "carrocentrismo" em Petrópolis
O ano de 2022 será mais um que, infelizmente, ficará na memória dos petropolitanos em decorrência do despreparo municipal na gestão da cidade: fortes chuvas que atingiram a cidade em fevereiro e março deixaram 242 mortos e centenas de desabrigados, resultado de políticas habitacionais ruins e de um modelo de urbanização incondizente com as condições ambientais do território municipal.
Além de todo o caos vivenciado nos meses seguintes, demorou quase um ano para se ver uma série de obras avançando para reconstituir pontos importantes na região do Centro, e queremos aqui chamar a atenção para um deles: a Rua Washington Luiz. Eixo de importante acesso ao Centro Histórico, essa via serve de ligação entre muitos bairros, podendo ser considerada como uma via arterial na malha urbana. Isso significa que o volume de veículos (inclusive bicicletas) e pedestres circulando diariamente é muito elevado.
Em algumas reuniões da Comissão Especial de Mobilidade Cicloviária da Câmara Municipal de Petrópolis em 2021, debatemos projetos de infraestrutura para bicicletas contratados em 2014 pela prefeitura, e esse eixo (desde o bairro do Quitandinha) não apenas possui previsão de dispositivos e sinalização para o trânsito de ciclistas como há estudos para vias exclusivas para ônibus.
Para nossa surpresa, apesar das insistentes tentativas de contato com o executivo municipal (CPTrans, processo nº 25220/2022*) e estadual (SEInfra, Ofício encaminhado pelo Fala.Br, protocolo nº 02291.2022.000020-47**) para aproveitar as obras de recuperação desde a UPA até a ligação com a Rua do Imperador, percebemos que tudo se restabeleceu mantendo as reduzidas calçadas e largas faixas de rolamento, sem nenhuma alteração em termos de mobilidade sustentável. Acreditamos que o poder público em geral não deseja se adequar às demandas e exigências vigentes na Lei 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), apesar de haver Planmob, projetos e intenções, etc.
* Ofício encontra-se desde 06/06/2022 na Divisão de Projetos da CPTrans, ainda sem resposta.
** Ofício respondido negativamente à nossa demanda de implantação de infraestrutura cicloviária no sistema Fala.Br (sistema unificado de Acesso à Informação e Ouvidoria do Governo Federal):
Resposta:
- "Em atenção ao pleito em tela, sob orientação do Secretário, cabe informar que mobilidade urbana, smj, é atribuição do município. É fato que o Governo do Estado, através da Secretaria de Infraestrutura e Obras - SEINFRA não se eximiria em colaborar com a Prefeitura na execução da obra. Entretanto, como citado pelo requerente, diante da catástrofe que se abateu sobre a Cidade de Petrópolis no mês de fevereiro do corrente ano, com isso, o Governo do Estado assumiu um enorme número de obras estruturais, visando a recuperação e proteção da cidade, gerando com isso um vultoso volume de recursos aplicados nas mesmas. Dito isso, informamos que nesse momento não será possível a realização do pleito. O que para o futuro próximo poderá ser reavaliado."
Desde o início de 2022, os ciclistas não conseguem dialogar com o poder público, seja pelo silenciamento diante das demandas (em geral, por tentativa de contato simples ou por Ofício), seja por respostas um tanto absurdas e injustificadas. Para a questão da Rua Washington Luiz, por exemplo, a Prefeitura de Petrópolis informou que as obras estavam a cargo da SEInfra, restando ao município a aplicação da sinalização posterior. Já a SEInfra afirmou que eventual ajustamento no projeto fugiria da previsão orçamentária, claramente não tendo se dado ao trabalho de verificar possibilidades de baixo custo, nem dialogado com a Acipe ou com a Comissão Especial para serem estudadas alternativas.
Se o poder público é ineficiente com relação à mobilidade cicloviária na cidade, a Acipe se mantém contrária ao senso comum de que não cabem bicicletas nas ruas da cidade.
Buscando sensibilizar a própria sociedade e tensionar possibilidades durante a obra, propusemos cenários onde a bicicleta e os demais veículos e usuários pudessem usufruir da via, pela sua importância como ligação e comércio local. Uma sequência de postagens geraram engajamento e reflexões interessantes através do @acipepetropolis e do @coletivomeio, como se vê a seguir.
Para chegar a diferentes propostas, uma equipe de arquitetos e arquitetas vai a campo, executa medições, observa a forma de uso do espaço, registra imagens e executa desenhos e fotomontagens, de fato produzindo possibilidades técnicas que o poder público deveria fazer.
Essas projeções não possuem a expectativa de definir projeto de forma direta e definitiva, mas de gerar um debate e chamar a atenção do poder público que, novamente, se exclui desse diálogo e segue com seus projetos próprios para o espaço urbano.
Estamos no início de 2023 e a obra da Washington Luiz está em suas etapas finais, inclusive com sinalização implantada recentemente. Se essa era uma atribuição da SEInfra, o fizeram sob as diretrizes da Prefeitura. Se era da própria Prefeitura, aí está o resultado da ideia de mobilidade urbana que ela mantém para Petrópolis. Não obstante, a Acipe foi a campo e mediu o espaço resultante e sua sinalização.
Diante das observações feitas, temos algumas considerações. Segue o fio:
- Há faixas de rolamento com larguras de 2,80 m até 5,30 m, uma flexibilidade decorrente da variação da própria caixa de rua. Esta é uma clara falta de senso de oportunidade para criação de espaços mais confortáveis para outros usos ativos, como os deslocamentos a pé e por bicicleta.
- Há vagas de estacionamento localizadas de forma espaçada, com critério duvidoso, em uma rua com várias ofertas de estacionamento privado.
- Não houve nenhum avanço para a mobilidade cicloviária - seja por implantação de ciclovia, ciclofaixa ou ciclorrota - mesmo sabendo-se do forte fluxo de ciclistas sentido Centro e dos muitos que, mesmo em contramão, aventuram-se pedalando no sentido Quitandinha, evitando a subida da Rua Monsenhor Bacelar.
- Não houve nenhum avanço para o transporte coletivo, que disputa sua faixa com os demais veículos que se acumulam ali em determinados horários.
- Com disponibilidade espacial maior pela nova demarcação viária, os veículos parecem transitar com mais velocidade quando o trânsito está livre, fazendo da região um espaço perigoso para qualquer um, e nenhum sistema de monitoramento eletrônico de velocidade e multagem funciona na cidade há anos. De acordo com a CPTrans, a Washington Luiz foi a via da cidade com a maior média de acidentes e de vítimas por quilômetro, entre os anos de 2016 e 2020.
Diante do exposto, mesmo o poder público escolhendo o caminho mais fácil, não nos interessa apenas criticar, mas propor objetiva e tecnicamente, demonstrando que outra Washington Luiz é possível. Entendemos que adequar espaços já em uso é um desafio e tanto, mas esse caso em específico não seria dos mais complexos em cidades brasileiras.
Após ir a campo, executar novas medições e estudar possibilidades, percebemos que é possível atender aos desígnios que a própria Prefeitura Municipal indica em seus documentos técnicos, mantendo faixas de rolamento, priorizando o transporte coletivo em faixa exclusiva e, ainda, possibilitando a circulação segura para a bicicleta em ambos sentidos. Para isso, nos baseamos em 2 tipologias que devem ser consideradas:
- ciclovia bidirecional + faixa de transporte público + faixa de veículos + estacionamento;
- ciclovia bidirecional + faixa de transporte público + faixa de veículos.
A exemplo do que foi possível na Av. Barão do Rio Branco no sentido Retiro, a implantação de infraestrutura dedicada ao ciclista através do estreitamento seguro e adequado das faixas de rolamento dos automotores é a solução que reúne adequação técnica, segurança e baixo custo para um trânsito melhor, no geral. Inclusive há relatos que, após a repintura da "ciclofaixa da Barão" (solução adotada pelo DNIT após insistentes conversas da Acipe com a CPTrans e registro de reclamação no sistema Fala.Br da Ouvidoria Federal), a velocidade média dos veículos reduziu consideravelmente, sem impacto com retenções e engarrafamentos.
Na Washington Luiz, usar essa estratégia para induzir que motoristas se desloquem mais lentamente pode ser uma maneira de fazer o limite de 40 km/h ser cumprido.
Quanto à faixa exclusiva para o transporte público, vale ressaltar que ela não só beneficiaria quem se desloca de ônibus, como é parte do melhor caminho para reduzir o tempo perdido pela população nos engarrafamentos em Petrópolis. Conformadas pelos relevos e pela presença dos rios, nossas ruas são estreitas e por isso possuem uma capacidade muito menor do que as de outras cidades para suportar grandes quantidades de veículos circulando. Para inverter essa tendência, é preciso abrir caminho para os modais que usam as ruas com mais eficiência, isto é, que transportam mais pessoas demandando menos espaço viário, bem possível e necessário na Rua Washington Luiz.
Enquanto isso, temos uma proporção de automóveis a cada habitante 19,1% maior do que a média nacional e 29,3% maior do que a média do estado do Rio de Janeiro, segundo a CPTrans.
Finalmente, apesar da elevada chance de sermos novamente ignorados pelo poder público, mantemo-nos firmes. Não desistiremos de uma Petrópolis melhor não só para os ciclistas, mas para todos os seus cidadãos. Apesar do desgaste que poderia ser evitado com maior diálogo e boas soluções, a Acipe tem convicção de que proteger os interesses dos ciclistas significa não apenas economia dos recursos públicos e lugares melhores, mas vidas poupadas também.